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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

REPORTAGEM ESPECIAL NATIONAL GEOGRAPHIC - A CHINA PODE SER VERDE?

por Bill McKibben
 
Rizhao, na província de Shandong, é mais uma dentre as centenas de cidades chinesas que se preparam para um crescimento acelerado. A estrada que dá acesso à cidade tem oito pistas, mesmo que ainda não haja muito tráfego. Porém, em seu porto, por onde passam grandes carregamentos de minério, a atividade é incessante, e Pequim classificou o terminal portuário de “a extremidade oriental de uma nova ponte entre os continentes da Europa e da Ásia”.

Em outras palavras, Rizhao é o tipo de lugar que causa preocupação nos cientistas atentos ao modo como a rápida expansão e o enriquecimento da China vêm contribuindo para aumentar as emissões de carbono. Esse crescimento explosivo fez com que, na última década, a China superasse os Estados Unidos como a maior fonte mundial de gases associados ao efeito estufa.

Todavia, após almoçarmos no hotel Guangdian, o engenheiro-chefe da cidade, Yu Haibo, me leva ao telhado do restaurante para me apresentar outra perspectiva. Primeiro nos esgueiramos por entre o sistema de aquecimento solar, uma rede de tubos a vácuo que coletam a energia solar e aquecem toda a água usada na cozinha e nos 102 quartos do hotel. Em seguida, junto ao beiral do telhado, contemplamos o horizonte de prédios em expansão. Quarteirão após quarteirão, no topo de todos os edifícios veem-se painéis solares parecidos. “Tais equipamentos estão instalados em pelo menos 95% das edificações”, diz Haibo com orgulho. “Há quem fale em 99%, mas a modéstia não me permite chegar a tanto.”

Seja qual for o percentual, ele é assombroso. A China é hoje líder mundial na instalação de tecnologias de energia renovável – suas turbinas eólicas são as que mais aproveitam os ventos, e suas fábricas, as que mais produzem painéis solares.

No passado, a China foi vista, primeiro, como o “perigo amarelo” e, depois, como a “ameaça vermelha”. Agora as cores associadas ao país são o preto e o verde. Uma corrida épica está em curso ali para saber se e quando a China vai conseguir se libertar do carvão e continuar crescendo, movida à energia do sol e do vento. O resultado dessa corrida será o dado isolado mais importante do nosso século – pois vai determinar a intensidade do aquecimento global.
Por enquanto, contudo, a questão ainda paira no ar. Literalmente. Quem visita a China fica chocado com a poluição existente nas cidades importantes. Aos poucos, os céus estão se desanuviando, pelo menos em lugares como Pequim e Xangai, à proporção que as indústrias pesadas são modernizadas ou transferidas para áreas mais afastadas. Além disso, o governo começou a desativar muitas das usinas termelétricas menores e poluidoras. Na realidade, o país hoje é líder mundial na construção do que os engenheiros chamam de “usinas supercríticas”, bem menos poluentes. É de supor, portanto, que a China vai se tornar mais limpa à medida que enriquecer – pois foi isso o que ocorreu em outras partes.

Porém – e este porém é crucial –, é bem possível o ar ficar limpo sem contudo eliminar a poluição. As termelétricas a carvão mais eficientes talvez não lancem na atmosfera tanta matéria particulada, como dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, mas ainda assim continuam produzindo enorme quantidade de dióxido de carbono. O CO2 é invisível, sem cheiro e em geral inócuo para os seres humanos – fora o fator crucial do aquecimento do planeta. Quanto mais rica se torna a China, mais ela produz, e a maioria das coisas que caracterizam a riqueza é dotada de tanque de gasolina ou de tomada elétrica. Todas as cidades chinesas estão repletas de lojas de eletrodomésticos; antes elas ofereciam ventiladores, agora também vendem cadeiras massageadoras. “As pessoas se mudam para apartamentos recémreformados, e por isso querem uma geladeira nova”, comenta um vendedor. Em Xangai, cada residência já tem, em média, 1,9 aparelho de ar condicionado e 1,2 computador. A cada mês, 20 mil carros são emplacados em Pequim.

Essa revolução no padrão de consumo dos chineses mal começou. Até 2007, havia na China 22 carros para cada mil pessoas, em contraste com 451 nos Estados Unidos. Fora dos grandes centros urbanos, as estradas com frequência estão desertas, e os caminhos vicinais continuam sendo percorridos por carroças puxadas por animais. “Até agora a China se concentrou no desenvolvimento industrial”, comenta Deborah Seligsohn, que trabalha em Pequim para o Instituto de Recursos Mundiais de Washington, DC. São essas siderúrgicas e fábricas de cimento que lançam nuvens de carbono na atmosfera, e as autoridades estão empenhadas em torná-las mais eficientes. À medida que amadurecer a base industrial do país, haverá desaceleração no setor produtivo. O consumo, por outro lado, mostra todos os sinais de estar em aceleração – nenhum ocidental está em posição de criticar isso.

Embora a China tenha adotado como prioritária a redução de emissões pelo setor industrial, ninguém se ilude quanto ao principal objetivo do país. Pela maioria das estimativas, a economia chinesa precisa crescer pelo menos 8% ao ano para assegurar estabilidade social e continuidade do regime comunista. Se o crescimento começar a ratear, aumentará a insatisfação entre os chineses; estima-se que ocorram até 100 mil manifestações e greves a cada ano. Muitas delas são protestos contra a apropriação de terras, as péssimas condições de trabalho e os salários baixos. Por isso, a grande esperança das autoridades depende da capacidade de gerar sempre empregos, de modo a absorver o contingente que continua a sair das províncias pobres na expectativa de uma vida melhor nas cidades.

Por outro lado, também cresce a revolta da população diante da degradação ambiental que acompanha o crescimento econômico. Em uma de minhas viagens, passei de carro por um vilarejo ao norte de Pequim no qual haviam sido pendurados cartazes na estrada que criticavam o fato de uma nova mina de ouro ter destruído vários riachos. Poucos quilômetros adiante, cheguei à própria mina, em que, naquele mesmo dia, os camponeses haviam destruído o estacionamento, quebrado janelas e grafitado paredes. Embora os números oficiais registrem que a economia cresce em torno de 10% ao ano, o custo de lidar com a poluição do ar e da água, assim como a perda de terras cultiváveis, faz com que um índice de 7,5% esteja mais perto da realidade. Em 2005, Pan Yue, o vice-ministro para conservação, disse que “logo o milagre econômico vai se esgotar, pois o ambiente não consegue acompanhar esse ritmo”. No entanto, os esforços dele para incluir um índice de “PIB verde” nas estatísticas oficiais acabaram sendo vetados por Pequim.

“Basicamente”, comenta um executivo em Pequim que prefere não se identificar (o que já é um sinal de quão incômodos são esses temas), “a China necessita de cada gota de combustível – cada quilowatt e cada quilojoule disponíveis – para o crescimento.” Portanto, a questão que se coloca é: que cara vai ter esse crescimento?

Aspectos já evidentes são a escala gigantesca e a capacidade excessiva. Ordos, na Mongólia Interior, talvez seja a cidade que mais cresça na China. Mesmo pelos padrões chineses, o que ali se vê é uma infinidade de guindastes erguer uma quantidade interminável de edifícios residenciais. A imensa praça central parece tão grande quanto a Tiananmen, em Pequim, e imponentes estátuas de Gêngis Khan erguem-se da planície de concreto, fazendo com que os turistas que ali se aventuram mais pareçam anões. A cidade também conta com vários outros edifícios enormes e novos: um teatro, um museu modernista e uma extraordinária biblioteca. Essa Dubai das estepes foi viabilizada graças ao carvão. A região abriga nada menos que um sexto de todas as reservas do país, e, por isso, a renda per capita local saltou para 20 000 dólares em 2009 – para os governantes, a meta é alcançar 25 000 dólares até 2012. É o tipo de local que precisaria de um punhado de ambientalistas.

Na verdade, há pelo menos um. Na cidade vizinha de Baotou, um centro siderúrgico cujas minas também fornecem metade dos minérios de terras raras consumidos pelo planeta, encontro Ding Yaoxian na sede da Federação Ambiental da Cidade de Baotou. O diretor Yaoxian é um dos chineses mais animados e simpáticos que conheci; e ele precisou de todo o seu carisma para tornar a ONG uma força efetiva, baseada no apoio de 1 milhão de moradores da região. Identificados por pequenos cartões verdes, eles atuam como um tipo de força policial voluntário. “Se um membro da associação vê alguém jogando lixo onde não deve, ele aproxima-se e fica sentado na porta do fulano”, conta Yaoxian. “As autoridades não podem cuidar de tudo. Uma organização voluntária é capaz de exercer pressão e fazer com que, pelo menos, as pessoas se envergonhem.”

Mas as campanhas empreendidas pelo grupo quase sempre deixam bem claro quão incipiente ainda é a preocupação com o ambiente na China. Eles distribuíram 1 milhão de sacolas de compra reutilizáveis – mas também centenas de milhares de pequenos copos dobráveis de papel para que as pessoas deixem de cuspir nas ruas. E até alcançaram uma pequena vitória: quando mostravam centenas de milhares de apartamentos novos a possíveis compradores, os corretores costumavam oferecer aos interessados botas de plástico para que usassem por cima de seus sapatos sujos; agora, eles distribuem meias de pano laváveis. A associação também tentou difundir o comércio de objetos usados em um país no qual não se vê com bons olhos nada que seja usado. Ao fim de um delicioso almoço de cordeiro em um restaurante local, Yaoxian faz questão de levar para casa o que sobrou. “Essa é uma das nossas campanhas”, explica ele. “Antes, fazer isso era motivo de vergonha.”

Há, contudo, um indício importante de proteção ambiental na região: um antigo projeto de plantio de árvores para amenizar a erosão de solos frágeis. Caminhões abarrotados de mudas eram a segunda coisa mais comum nas estradas locais (superados em uma proporção de dez para um pelos caminhões que transportam o carvão extraído das minas). Yaoxian estima ter plantado 100 mil árvores com as próprias mãos. “Isso aqui era uma poeira só, com muitas tempestades de areia”, conta ele. “Mas no ano passado tivemos 312 dias de céu limpo, e a cada ano fica melhor.”

Em busca de outras confirmações de que o explosivo crescimento chinês contém sementes efetivas de possibilidades favoráveis ao ambiente, sigo de carro por 275 quilômetros ao sul de Pequim até a cidade de Dezhou, que também passa por um crescimento explosivo. Ao me aproximar pela rodovia Nacional 104, vislumbro de repente um dos edifícios mais assombrosos do planeta, o pavilhão Sol-Lua. Ele tem a aparência de um centro de convenções, rodeado de largas faixas de painéis solares, como os anéis de Saturno, os quais proporcionam água quente e eletricidade ao edifício. Atrás do hotel, um prédio gêmeo abriga a sede da Himin Solar, que afirma ter instalado mais sistemas de energia renovável que qualquer outra empresa do planeta.

Os principais produtos da Himin são aquelas corriqueiras tubulações termossolares instaladas nos telhados de Rizhao. Na verdade, elas cobrem outras áreas bem mais extensas. O fundador, Huang Ming, calcula que a empresa já instalou mais de 14,5 milhões de metros quadrados de coletores solares para aquecimento de água. “Isso significa 60 milhões de famílias, talvez 250 milhões de pessoas no total”, diz ele. Exuberante em seu desbotado jeans Dockers preto, esse ex-engenheiro de petróleo produz alguns dos melhores sistemas termossolares da China, mas até ele reconhece que se trata de tecnologia simples. Para Ming, a chave do êxito está na mudança de atitude das pessoas, o que é obtido com campanhas de marketing de estilo evangélico, desencadeadas a cada vez em uma cidade. “Fazemos palestras, usamos PowerPoint”, conta. E aproveitam também a força do turismo: o Sol- Lua apenas serve de âncora para uma cidade movida a energia solar, que logo terá um cinema “quadridimensional” solar, um pavilhão de videogames solar, uma enorme roda-gigante solar e barcos solares que poderão ser alugados em uma marina também abastecida por energia solar.

No salão de exposições da empresa, algumas contradições são óbvias. Os painéis que aquecem a água para as banheiras ficam ao lado de gigantescos aparelhos de TV de tela fina. Essa é a única maneira de vender o conceito de energia renovável, insiste Ming, enquanto descreve as altas torres de apartamentos que está erguendo nos limites da cidade, com estruturas de painéis solares que formam curvas parecidas com a cauda de um dragão. “À noite, é isso o que você vê – um dragão alado”, diz ele. “Recebemos a visita de muitos construtores em nosso vale solar, todos interessados em nos imitar e aprender conosco.”

Ele está especialmente satisfeito com o fato de parte desses visitantes ser estrangeira. A cidade de Dezhou abrigou o Congresso Mundial de Cidades Solares em 2010, e Huang encarregou-se de montar um pavilhão de peritos para receber os visitantes. “Se toda a população americana usasse água aquecida por painéis solares, Obama ganharia cinco prêmios Nobel!”, entusiasma-se.

Esse não é o único caso em que os chineses imitaram os americanos e foram além. A chinesa Suntech hoje é um dos dois principais fabricantes de painéis solares fotovoltaicos em todo o mundo. Novos empregados são contratados todas as semanas, e, assim que entram na empresa, a primeira missão é assistir a Al Gore no documentário Uma Verdade Inconveniente. A jovem guia que me acompanha em uma visita à sede da empresa, em Wuxi, perto de Xangai, para diante de fotos de painéis fotovoltaicos no acampamento-base do monte Everest e também diante do retrato de seu patrão, Shi Zhengrong, considerado pela revista Time um “herói ambiental”. “Não é só um trabalho”, comenta ela, com os olhos marejados de lágrimas. “Para mim... é uma missão!”

Claro que os olhos dela poderiam lacrimejar em parte por causa da qualidade do ar. Wuxi é uma das cidades mais poluídas que já conheci, e quase não consegui respirar sob uma temperatura de 38ºC. Os painéis fotovoltaicos que recobrem a fachada da sede da Suntech estavam inclinados para captar os raios solares. No entanto, devido à poluição, operavam com apenas metade de sua capacidade total.

No fim, tais histórias isoladas só até certo ponto são esclarecedoras. Os dados nem sempre são confiáveis na China, onde as autoridades locais exibem forte propensão a enviar relatórios otimistas ao governo central, em Pequim. Mas de uma coisa podemos ter certeza: a China vem crescendo em um ritmo jamais visto em qualquer outro país de grandes dimensões, e esse crescimento cria oportunidades efetivas para o avanço ambiental. Pelo fato de construir tantos edifícios e usinas elétricas, o país tem a chance de incorporar a eles tecnologias avançadas com mais facilidade que nações com economias já consolidadas. Não são apenas painéis solares e turbinas eólicas. Cerca de 25 cidades chinesas estão, por exemplo, instalando ou ampliando redes de metrô, e as linhas para trens de alta velocidade já avançam em todas as direções. Esses projetos requerem enorme quantidade de aço e cimento, e, portanto, contribuem para o aumento das emissões de carbono – mas, no futuro, também vão ajudar na redução dessas emissões.

Esse esforço de saneamento ambiental, contudo, é superado pela mera escala do crescimento impulsionado pelo carvão. Com isso, é inevitável que as emissões de carbono continuem, por ora, a aumentar. Conversei com dezenas de especialistas em energia, e nenhum deles aventou a possibilidade de as emissões atingirem o seu pico antes de 2030. Mas não há nada capaz de adiantar de modo significativo essa data? É o que pergunto a um perito encarregado de um programa de energia renovável. “Todo mundo está atrás disso, mas ninguém tem uma resposta”, diz ele.

Até mesmo a previsão de se chegar ao pico em 2030 depende em parte da adoção rápida de técnicas para se extrair o dióxido de carbono das chaminés das termelétricas a carvão, e em seguida armazená-lo no subsolo, em minas e poços desativados. O problema é que ninguém sabe ainda se isso é viável na escala necessária. Quando pedi a um cientista empenhado em aperfeiçoar tal tecnologia que fizesse uma estimativa, ele afirmou que, até 2030, a China poderá estar removendo e armazenando 2% de todo o CO2 produzido em suas usinas elétricas.

Isso significa que, com base nas atuais previsões científicas sobre o ritmo das mudanças climáticas, a faxina ambiental chinesa vai chegar tarde demais para impedir um aquecimento mais intenso, do qual resultaria o derretimento das geleiras do Himalaia, a elevação no nível dos mares e outras catástrofes há muito temidas pelos climatologistas.

O quadro é sombrio. E, para alterá-lo, serão necessárias mudanças em âmbito bem maior que a China – das quais a principal é algum tipo de acordo internacional para a substituição da economia baseada no carvão. No momento, o país está dando passos largos na direção da energia renovável, pois isso faz sentido em termos econômicos. “Afinal, por que eles iriam desperdiçar energia?”, indaga Deborah Seligsohn, do Instituto de Recursos Mundiais, e acrescenta que, “se os Estados Unidos alterassem de maneira fundamental as regras do jogo – se eles se comprometessem de fato com reduções drásticas –, então a China poderia olhar para além de seu interesse nacional e talvez avançar bem mais nesse campo.” Talvez ela empreendesse mudanças mais dispendiosas e rápidas. Enquanto isso, o crescimento chinês vai prosseguir em sua marcha impetuosa, como uma fornalha abrasadora, que, embora lançando algumas fagulhas verdes, gera sobretudo um calor ameaçador.

“Mudar a cabeça das pessoas não é pouca coisa”, comenta Huang Ming, enquanto conversamos no pavilhão Sol-Lua. “Precisamos de tempo – e também de muita paciência. Mas, nessa situação, tempo é justamente o que nos falta.” No andar debaixo, instalou um museu com bustos e retratos pintados das figuras mundiais que mais o impressionaram: Voltaire, Molière, Michelangelo, Gandhi, Péricles, Sartre. Se ele – ou qualquer outro – conseguir de algum modo contribuir para que o verde vença a fuligem negra nessa épica corrida chinesa, essa pessoa merecerá um lugar de honra no panteão.

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