Créditos: Bruno Calixto |
Os índios Paiter Suruí estão conseguindo fazer o que o homem branco quebra a cabeça para fazer: unir sua tradição e a proteção ao meio ambiente com tecnologia de ponta. Eles usam ferramentas como o YouTube para divulgar sua cultura e têm uma eficiente parceria com o Google Earth, que permite monitorar suas terras e denunciar invasões. Com o suporte da tecnologia – e de acordos com governos e ONGs – os Suruí conseguiram proteger a floresta e expulsar madeireiros ilegais que invadiam suas terras. Agora, os invasores reagem, e ameaçam de morte o líder do povo, Almir Narayamoga Suruí, e sua família.
Os Suruí viveram por séculos como nômades na Amazônia, até o primeiro contato com não-índios, no dia 7 de setembro de 1969. Inicialmente, o contato foi prejudicial: disputas e doenças reduziram o povo de cerca de 5 mil pessoas a menos de 250. Por pouco os Suruí não desapareceram, como aconteceu com outras tribos encontradas em Rondônia. Mesmo após a demarcação de seu território, a Terra Indígena 7 de Setembro, os Suruí continuaram enfrentando problemas. Serrarias e madeireiros aliciavam os índios para trabalho prometendo dinheiro e bebidas alcoólicas.
A situação começou a mudar há cerca de 15 anos. Os Suruí foram buscar parcerias com os governos e ONGs para melhorar a qualidade de vida. Certos de que precisavam de uma nova trajetória, que os tornassem independentes dos homens brancos, os Suruí criaram um plano de desenvolvimento que prevê ações para saúde, educação, cultura e tecnologia. A estratégia está funcionando. Hoje, somam cerca de 1.300 pessoas, espalhadas em 25 aldeias na terra indígena que se estende pelo norte de Mato Grosso até Cacoal, em Rondônia.
Mas o passo mais ousado aconteceu em 2007. Almir foi à cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, e fechou uma parceria com o Google. Com o gigante da internet, os Suruí tiveram acesso aos mais recentes computadores do mundo, a um sistema de comunicação para as aldeias e ao uso do Google Earth.
"Temos uma visão de melhorar a vida do nosso povo, um trabalho para os próximos 50 anos. Mas não vamos fazer isso sozinhos. Estamos em parceria com os governos, com a sociedade, e com empresas como o Google", diz Almir. A parceria faz parte do projeto Google Earth Outreach, que tem como objetivo usar a tecnologia para atender demandas sociais e ambientais em várias partes do mundo. A iniciativa da parceria foi do próprio Almir. Quando ele conheceu o Google Earth e conseguiu visualizar suas terras na tela do computador, viu uma grande oportunidade para o seu povo. A ONG Equipe de Conservação da Amazônia (ACT-Brasil) fez a ponte entre a empresa e os índios.
"Eles não tinham equipamentos suficientes, então ajudamos a equipar o escritório, em Cacoal, com computadores, GPS e outros equipamentos", diz Félix Ximenes, diretor de Comunicações do Google no Brasil. "Trouxemos uma equipe de São Franciso, liderada pela pesquisadora Rebecca Moore, para treinamento, e o próprio Almir visitou o Google nos Estado Unidos."
O que Almir considera mais importante é capacitar as pessoas do seu povo para usar a tecnologia. "Hoje usamos Skype, Gmail, Youtube, que facilitam muito a comunicação na aldeia. Mas a grande oportunidade é aprender o que é tecnologia, para que os Suruí possam estar preparados no futuro".
Com o suporte tecnológico, os Suruí passaram a alimentar a web com sua cultura. Eles puderam marcar no Google Earth seus lugares sagrados, aldeias, áreas históricas, como o local onde ocorreu o primeiro contato com não-índios. O GPS não é necessário para os índios se locomoverem em seu próprio território, mas permite que o povo marque áreas invadidas por madeireiros com precisão no Google Earth, chamando a atenção de autoridades. As denúncias de invasão são levadas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e aos procuradores do Ministério Público Federal. "Isso afeta os interesses das pessoas que querem explorar o meio ambiente de maneira errada. Não acho que a floresta é intocável, mas você tem que fazer certo, com plano de manejo, com sustentabilidade. Por causa dessas ações, a gente começou a receber ameaças de morte", diz Almir.
As ameaças chegam por telefone ou por "recados" enviados por outros índios. Como o povo Suruí já teve envolvimento com os madeireiros da região no passado, muitos usam alguma proximidade ainda existente para enviar recados ameaçadores. A situação ficou mais preocupante quando Almir soube que sua família estava sendo "mapeada". "Quando cheguei de Brasília, descobri que pessoas estavam 'contando' a minha família. Queriam saber quantos irmãos eu tenho, quantos estão em outras aldeias".
No dia 15 de junho, o líder indígena foi a Brasília e se reuniu com Fernado Matos, diretor do Departamento de Defesa dos Direitos Humanos, órgão ligado à Presidência da República, para relatar a situação de perigo que as lideranças locais estão vivendo. Até o momento, nenhuma medida foi tomada, mas o chefe é otimista. "Nossa luta é no dia a dia, e eu acredito que estamos contribuindo com o bem-estar do meu povo e da população". Apenas otimismo, no entanto, não basta: o Estado precisa agir para manter a segurança do líder que conseguiu unir a tradição com o mundo globalizado.
Fonte: Revista Época
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