Por Sebastião Wilson Tivelli
Quem nunca
ouviu ou falou que orgânicos são caros? Mesmo reconhecendo o potencial
benefício de ter um alimento mais saudável, sem risco de contaminação por
agrotóxicos ou com excesso de adubos químicos, é altamente provável que os
leitores já ouviram ou falaram que os alimentos orgânicos são caros. Então, se
os orgânicos são caros, são caros por quê?
Como em qualquer moeda que tem duas
faces, se o produto orgânico é caro, é porque o produto convencional é barato.
De fato, sucessivos governos incentivaram num passado recente no Brasil a
produção de alimentos baratos para a população com baixo poder aquisitivo. A
abertura do cerrado brasileiro foi realizada com o incentivo governamental numa
época que as atuais questões ambientais não eram consideradas. Reserva
legal, área de proteção permanente, o que é isto mesmo?
Outro ponto é o
conceito de produtividade que deixou de ser produção por área para ser produção
por área por tempo. Na área agrícola, passamos a buscar cultivares cada vez
mais precoces e produtivas. No caso das hortaliças, quando isto não era suficiente,
passamos a utilizar mudas produzidas em bandejas de isopor para reduzir o ciclo
de cultivo a campo. Não contentes com os ganhos em produtividade, passamos a
utilizar sementes pré-germinadas (priming) para acelerar ainda mais o sistema
produtivo, aumentar a uniformidade da germinação e reduzir falhas.
Na área
animal, buscamos ganhos genéticos em nossos rebanhos e confinamos os animais
para aumentar a produtividade e precocidade. Talvez nada exemplifique melhor do
que fizemos com o frango de granja, cuja produção demorava cerca de 60 dias nos
anos 1980 e atualmente demora em torno de 45 dias. E estamos fazendo com o gado
de corte, os peixes e tantos outros animais dos quais retiramos produtos que
utilizamos para alimentar as pessoas. Consequentemente, produzimos
alimentos cada vez em maior quantidade e a baixo preço para sustentar 7 bilhões
de pessoas no planeta Terra. E não paramos ainda de agregar tecnologia para
aumentar a produtividade.
Em reação ao sistema tecnológico conhecido como
“convencional”, começou-se um movimento na década de 1980 para resgatar a forma
de produção de alimentos que fossem mais seguros para o ambiente e para quem os
consome. Estes são os alimentos orgânicos, conforme estabelecido pela Lei
10.831/2003.
Os alimentos orgânicos são mais caros do que os convencionais por
pelo menos sete razões que passamos a relacionar a seguir. A primeira é a
certificação. Para serem comercializados, os alimentos orgânicos precisam ser
certificados. O agricultor orgânico precisa provar que o que produz respeita
todas as normas da produção, a legislação trabalhista e ambiental. Ele pode
escolher entre três opções que a legislação permite: contratar uma empresa para
fazer a certificação, organizar-se com seus vizinhos em um Sistema Participativo
de Garantia ou cadastrar-se no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento – Mapa, para, por meio do Controle Social, fazer a venda direta
sem certificação.
O agricultor convencional não precisa nada disso. A segunda é
o período de conversão da área e a barreira de isolamento para vizinhos não
orgânicos. Para iniciar a produção orgânica, a maioria das propriedades precisa
passar por um período de adequação conhecido como período de conversão. Neste
período, que pode durar alguns anos, conforme normas do Mapa, a produção não é
mais feita pelo sistema convencional, mas ainda não pode ser vendida como
orgânica. Portanto, o agricultor normalmente vê sua produtividade habitual
reduzida e ainda não recebe o valor adicional de um produto orgânico. Além
do período de conversão da área a que todos os novos agricultores estão
sujeitos, muitas propriedades, por estarem inseridas em áreas com produção
convencional em seu entorno, precisam instalar e manter barreiras com os
vizinhos convencionais.
A barreira tem a finalidade de evitar a deriva de
agrotóxicos provenientes do cultivo convencional, e o deslocamento de pragas e
doenças que normalmente estão em desequilíbrio no vizinho convencional. Portanto,
o agricultor orgânico tem que reservar uma faixa sem produção no perímetro de
sua propriedade para garantir a qualidade de sua produção orgânica. Esta terra
improdutiva não gera receita e, portanto, deve ser computada no custo de
produção do alimento orgânico. Isto é especialmente significativo para
agricultores familiares que dispõem de pequenas áreas para produzir nossos
alimentos orgânicos e sustentar a família deles.
A terceira razão para os
produtos agropecuários orgânicos custarem mais do que o similar convencional é
a maior demanda de mão de obra. Na agricultura orgânica trabalhamos com
compostos orgânicos, que requerem mão de obra para ser compostados e
distribuídos nas áreas de cultivo. As opções para mecanizar algumas
atividades normalmente não são economicamente viáveis em pequenas propriedades
familiares. Aliado a isso há também a baixa retenção dos jovens na atividade
agropecuária, pois estes são atraídos pelo estilo de vida urbana e partem para
as cidades para estudar, trabalhar e constituir família, fazendo questão de
esquecer a origem de suas famílias, de nossas famílias.
A lei de oferta e
demanda funciona também para a mão de obra no cultivo dos produtos orgânicos.
Ou seja, só se consegue manter a mão de obra se esta for mais bem remunerada
pelo seu serviço. Isso onera o custo de produção dos alimentos orgânicos. Em
quarto lugar, relacionamos a produtividade e a escala de produção menor do
cultivo orgânico em relação ao cultivo convencional. A produção por área nos
dois cultivos não é significativamente diferente. O que desequilibra a relação
da produtividade na agropecuária atual, expressa por produção por área por
tempo, é justamente o tempo de produção.
O ciclo de produção de vegetais ou de
formação de animais é maior no sistema orgânico em relação ao
convencional. Pelo fato de não utilizar adubos prontamente solúveis para
as plantas e promotores de crescimento na ração dos animais, estes demoram mais
para atingir o ponto de maior desenvolvimento para a colheita ou abate.
Portanto, por este aspecto o produto orgânico precisa receber uma remuneração
maior do que o convencional para equilibrar a receita entre os dois sistemas.
O
sistema orgânico pode ser diferenciado do sistema convencional pelo número de
culturas cultivadas ao mesmo tempo em uma área. O maior número de culturas
(policultivo) recomendado para o sistema orgânico contrasta com o cultivo de
uma única variedade (monocultivo) do sistema convencional. Por esta razão, o
cultivo orgânico perde rendimentos de escala, pois, quanto menor a quantidade
produzida de produto por área, maior o custo de produção. Uma lei de mercado
aparece em quinto lugar nesta relação de motivos. A oferta e demanda são
implacáveis. Quanto maior o preço de um produto, mais quem produz quer ofertar
ao mercado. Por outro lado, quanto menor o preço, mais o consumidor quer
comprar.
A conscientização na última década sobre questões ambientais e de
saúde só faz crescer a demanda por alimentos seguros e saudáveis. Como o setor
produtivo não oferece produtos na mesma velocidade que cresce a demanda, é
natural haver um sobrepreço no produto em qualquer área que seja regida pelas
forças de mercado. Para os orgânicos isso não é diferente.
A assistência
técnica deficiente ou inexistente é o sexto motivo. Os agricultores orgânicos
estão praticamente abandonados à própria sorte. A assistência técnica oficial
para o cultivo orgânico e mesmo para o cultivo convencional foi desmontada
pelos governos estaduais nas últimas gestões em praticamente todos os Estados
do Brasil. No cultivo convencional, a assistência técnica passou a ser
feita pelas revendas agropecuárias com o interesse de vender aos agricultores o
pacote de insumos das empresas por estas representadas. Quem não compra insumos
(adubos químicos, agrotóxicos, sementes transgênicas, entre outros) não recebe
assistência técnica. Portanto, os agricultores orgânicos estão fora deste
mercado.
O número de consultores autônomos que prestam assistência técnica ou
consultoria para produção orgânica ainda é pequeno e insuficiente para atender
ao crescente mercado orgânico brasileiro. Sem assistência técnica fica mais
arriscado e caro produzir alimentos seguros e saudáveis. Finalmente, em sétimo
lugar, mas não menos importante do que os motivos anteriores, está a falta de
apoio à pesquisa e à transferência de tecnologia aos agricultores familiares
que produzem nossos alimentos, vestuário e bioenergia em sistema orgânico.
No
Estado de São Paulo, os Institutos de Pesquisa da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento estão voltados para as principais cadeias do agronegócio. A
própria agência de fomento à pesquisa estadual, a Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp) tem critérios de avaliação de projetos que
restringem o acesso aos recursos para projetos voltados para o sistema
orgânico. A falta de reposição de recursos humanos nos diferentes cargos dos
institutos e salários não competitivos com o mercado tem gradativamente
esvaziado os Centros de Pesquisa, limitando assim a formação de grupos de
pesquisa para o cultivo orgânico e colocando em risco o patrimônio genético dos
bancos de germoplasma.Tudo isso soma para que não tenhamos ainda uma produção
orgânica a preços acessíveis para um grupo maior da população.
Em resumo, a
certificação da produção orgânica, o período de conversão da área e as
barreiras de isolamento com os vizinhos convencionais, a maior necessidade de
mão de obra, a menor produtividade e escala de produção contribuem para que os
produtos orgânicos tenham preços mais elevados do que os similares
convencionais. A baixa oferta de produtos orgânicos frente à crescente
demanda é o fermento para que o equilíbrio de preços neste setor fique acima do
adequado.
Os agricultores estão à própria sorte sem assistência técnica qualificada
e especializada no cultivo orgânico. Não há inovação sem pesquisa, seja esta
feita pelos Institutos de Pesquisa ou pelos nossos agricultores.
As cultivares
em uso foram desenvolvidas em sua maioria para um sistema de alto consumo de
energia e emprego de insumos externos às propriedades. Pelo lado da pesquisa,
apesar da falta de reposição do recursos humanos nos diferentes cargos dos
institutos e salários não competitivos com o mercado, existe uma Unidade de
Pesquisa e Desenvolvimento em São Roque, ligada ao Centro de Insumos
Estratégicos e Serviços Especializados da Apta Regional, que desenvolve
pesquisas apenas com agricultura orgânica e busca trazer soluções para que os
produtores atendam às exigências legais impostas ao cultivo orgânico em hortaliças
principalmente, como o desenvolvimento de uma cultivar de cebola para o sistema
orgânico de produção, o consórcio de hortaliças com adubos verdes e a seleção
de microrganismos capazes de fixar o nitrogênio atmosférico e disponibilizá-lo
para as culturas. Há, porém, muito ainda a ser pesquisado.
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